PERIGO QUE VEM DOS OCEANOS

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ITÁLIA:

RETOMADA INVESTIGAÇÃO SOBRE O TRÁFICO
DE LIXO TÓXICO PELA MÁFIA DA CALÁBRIA


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Manifestação, em 24/10/2009, em Amantea, Calábria, exigindo que sejam investigados os casos dos afundamentos de navios com lixo tóxico.

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“Máfia afundou 32 navios com produtos tóxicos transfomando o mar Mediterrâneo em depósito de lixo tóxico”. Portal EcoDebate.

Reportagem de Salvatore Aloïse, no Le Monde.

A sala se tornou uma espécie de mausoléu, como pede a tradição no sul. Há quase quatorze anos, o olhar de Anna-Maria De Grazia recai todos os dias sobre as várias fotos e medalhas em memória de seu marido, um oficial da marinha morto em circunstâncias jamais esclarecidas, enquanto era encarregado de investigar sobre o desaparecimento suspeito de cargueiros com carga tóxica.

O caso foi reaberto em setembro com a localização de destroços de um navio, ao largo da costa de Cetraro, por indicação de um desertor da ‘Ndrangheta, a máfia calabresa. Esta, sem se preocupar com as graves consequências de seu gesto, teria se encarregado de afundar os velhos cargueiros, em meio a um tráfico internacional de resíduos tóxicos, e até radioativos.

O capitão-de-corveta Natale De Grazia morreu em uma noite de dezembro de 1995, enquanto se dirigia à Toscana para sua investigação. Hoje, sua viúva tem em suas mãos as anotações de seu marido com nomes de navios, rotas marítimas e localizações precisas. Quinze anos atrás, ele havia elaborado a lista de cerca de vinte cargueiros desaparecidos e as coordenadas de onde eles afundaram.

“Ele logo se deu conta da gravidade de sua descoberta. Ele ficou perturbado com aquilo que ele começava a perceber. Ele temia ter entendido aquilo que hoje sabemos desse tráfico”, conta Anna-Maria De Grazia, convencida de que seu marido morreu porque descobrira a verdade.

“Dezoito casos de câncer”

Autópsia feita às pressas. Morte considerada natural. E a investigação sobre os cargueiros suspeitos afunda. Não se falou mais nisso, até o dia em que um novo promotor foi nomeado, no ano passado, no ministério público de Paola, com jurisdição sobre a zona marítima onde um desses navios pode ter sido afundado.

A persistência do magistrado está valendo a pena. “Os destroços, nós encontramos. Falta determinar sua identidade, e sobretudo o que estava sendo transportado”, reconhece com prudência o promotor Bruno Giordano.

Mas, em sua análise, ele vai bem mais longe. Ele explica que, se de fato esse sistema de desvio de lixo tóxico for confirmado, certamente será preciso multiplicar por dez os números que consideram vinte ou trinta navios afundados ao largo da costa calabresa e em outras partes do Mediterrâneo. O magistrado julga ser pouco provável que tal sistema, com tudo que ele pressupõe de preparação, possa ter sido elaborado para desviar somente 1 ou 10 toneladas de detritos.

Um quadro deplorável, e não somente para a Calábria. Enquanto aguarda, a região vive um caos. A catástrofe para a saúde se soma à dos efeitos sobre o plano econômico e social. O turismo está em perigo. A pesca já agoniza. Uma manifestação teve lugar, no sábado (24), em Amantea, para exigir a verdade sobre os barcos-lixeiras. As análises, ao largo de Cetraro, acabam de começar, com a chegada de um navio-laboratório.

Por enquanto, de acordo com a declaração da ministra do Meio Ambiente, Stefania Prestigiacomo, na terça-feira, nenhum vestígio de radioatividade teria sido detectado em torno dos destroços, que jaz a 483 metros de profundidade no oceano.

As comunidades locais também pedem por uma rápida identificação do cargueiro. Nada provou, até agora, que se trata realmente do Cunski, como indicou o ex-mafioso Francesco Fonti, que afirma tê-lo afundado com a ajuda de explosivos, juntamente com seus homens, em 1992, período em que um navio com esse nome realmente desapareceu.

Análises também são esperadas em terra firme, perto de Amantea, no vale do rio Oliva, onde uma presença de radioatividade anormal foi detectada. Um porão teria sido utilizado pela ‘Ndrangheta para enterrar os detritos do qual ela não conseguiu se desfazer no mar. Mario Arlia, do comitê cívico que recebeu o nome do capitão Natale De Grazia, conta que, no vilarejo que paira sobre o vale, essas análises só poderão confirmar o que todos sabem: “O prefeito me confidenciou que, entre seus 187 habitantes, 18 têm câncer”. Para eles, entretanto, é tarde demais.
Tradução: Lana Lim
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